Quais as inovações do PLP n.º 108/2024?

Imagem com um homem analisando os dados referentes a área sucessória da empresa, por causa do PLP 108 da Reforma Tributária.

Por David Andrade Silva, sócio-fundador da Andrade Silva Advogados 

Aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o Projeto de Lei Complementar (PLP) n.º 108/2024 constitui a segunda etapa de regulamentação da reforma tributária do consumo, prevista pela Emenda Constitucional n.º 132/2023. O parecer do relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), acolheu total ou parcialmente mais de uma centena de emendas, resultando em um substitutivo robusto, com mais de 270 páginas, que deverá ser apreciado pelo Senado antes de retornar à Câmara dos Deputados.  

O texto promove alterações significativas na estrutura de funcionamento do novo sistema. Entre os pontos de maior destaque, estão: a) a limitação das multas a 100% do tributo devido, à exceção dos casos de reincidência em sonegação, fraude, simulação ou conluio; b) o redesenho da governança do Comitê Gestor do IBS; c) a criação de um processo administrativo tributário nacional unificado e d) a possibilidade de consultas fiscais pelos contribuintes, em moldes semelhantes ao regime já adotado pela Receita Federal. 

De forma inédita, o substitutivo dedica um capítulo inteiro à regulamentação do ITCMD, suprindo lacuna histórica desde a Constituição de 1988. O texto estabelece normas gerais nacionais para o imposto, definindo fato gerador, base de cálculo, progressividade das alíquotas, competências federativas e regras específicas para a tributação de quotas societárias, ações, previdência privada, seguros e estruturas fiduciárias, como trusts. 

Esse ponto é especialmente sensível, pois impacta diretamente os planejamentos patrimoniais e sucessórios de famílias empresárias e grupos econômicos. 

Com esse conjunto de inovações, o PLP n.º 108/2024 consolida-se como instrumento normativo fundamental para a transição ao novo regime tributário, combinando ajustes na governança do IBS e a inauguração de parâmetros nacionais para o ITCMD. Tais mudanças exigem atenção imediata de contribuintes, empresas e investidores na revisão de suas estratégias fiscais e societárias.

O LIVRO I – O IBS E SUA GOVERNANÇA FEDERATIVA

O primeiro livro do PLP n.º 108/2024 dedica-se à estruturação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e à criação de seu Comitê Gestor (CGIBS). Trata-se de inovação institucional de grande relevância, uma vez que concentra a arrecadação e a distribuição do novo tributo em uma entidade pública autônoma, dotada de independência técnica, administrativa e financeira. 

O CGIBS passa a deter atribuições de grande alcance, desde a gestão da arrecadação até a edição de regulamentos aplicáveis em todo o território nacional, estabelecendo uma verdadeira centralização normativa. Embora esse desenho institucional favoreça a uniformidade e a previsibilidade para contribuintes, gera também debates sobre o equilíbrio federativo, já que Estados e Municípios veem reduzida sua autonomia operacional.

Outro ponto de destaque é a criação de um processo administrativo tributário nacional unificado. Esse processo traz como principais características a composição paritária dos órgãos julgadores, a contagem de prazos em dias úteis e a previsão de recurso de uniformização. A medida inspira-se em modelos já existentes no contencioso administrativo federal, como o CARF, mas levanta preocupações quanto à concentração de litígios em instâncias centralizadas. Ainda assim, contribui para reforçar a segurança jurídica e dar maior uniformidade à interpretação da legislação tributária relacionada aos novos tributos sobre o consumo.

O texto disciplina, ainda, como os créditos de ICMS acumulados até a virada do sistema serão reconhecidos, homologados e utilizados na passagem para o IBS.

Em síntese, busca neutralidade e previsibilidade na transição: reconhece e homologa os saldos de ICMS, oferece três avenidas de realização (compensação com ICMS, compensação com IBS em cronogramas definidos, ou ressarcimento em espécie), cria regra prática para o ICMS-ST em estoque e alinha os fluxos financeiros com a distribuição do IBS para evitar desequilíbrios federativos.

Para empresas, a mensagem prática é: inventariar corretamente, protocolar a homologação no prazo, decidir a melhor via de utilização e monitorar a regularidade fiscal para não travar transferências e pagamentos.

O LIVRO II – A REGULAMENTAÇÃO NACIONAL DO ITCMD

O segundo livro do PLP 108/2024 representa verdadeira inovação ao instituir normas gerais nacionais para o ITCMD, preenchendo uma lacuna normativa existente desde a Constituição de 1988. O texto inicia consolidando conceitos fundamentais, como sucessão, doação e bens e direitos transmitidos, oferecendo um glossário jurídico que deverá orientar as legislações estaduais e distrital. 

Em seguida, explicita que o imposto incide sobre toda transmissão gratuita de bens e direitos com valor econômico, incluindo hipóteses envolvendo estruturas fiduciárias, como contratos de trust no exterior ou de fidúcia no Brasil com características similares. Trata-se de resposta direta ao entendimento do STF no Tema n.º 825, que reconheceu a impossibilidade de tributação de heranças no exterior sem lei complementar que disciplinasse a matéria. 

O capítulo seguinte cuida das imunidades e das hipóteses de não incidência. Entre estas últimas, destacam-se a renúncia abdicativa, os planos de previdência complementar e os seguros de vida com elementos de aleatoriedade, como PGBL e VGBL, além da extinção do fideicomisso. 

O texto incorpora de forma expressa a jurisprudência do STF que afastou a incidência do ITCMD sobre VGBL e PGBL em casos de sucessão, o que tende a reduzir litígios. Também disciplina a não incidência em operações envolvendo trusts, estabelecendo distinções relevantes entre repasses considerados onerosos e aqueles que podem caracterizar liberalidade. 

A base de cálculo do ITCMD é regulada de maneira clara e objetiva. A regra geral estabelece a adoção do valor de mercado, mas o texto traz disposições específicas para imóveis financiados e para participações societárias. 

Nesses casos, o art. 154 define que quotas e ações negociadas em mercados organizados serão avaliadas pelo valor de cotação de fechamento do dia anterior ao fato gerador, desde que haja mercado ativo nos noventa dias anteriores. Já as quotas e ações não negociadas terão como base de cálculo o valor patrimonial, correspondente ao patrimônio líquido dividido pelo número de quotas ou ações integralizadas. Essa opção legislativa afasta a obrigatoriedade de metodologias complexas, como fluxo de caixa descontado e goodwill, privilegiando a objetividade e a segurança jurídica. 

Outro ponto importante é a disciplina das sucessivas doações. O art. 155 prevê que doações sucessivas realizadas no período definido em lei estadual ou distrital devem ser somadas para fins de cálculo do imposto, com recálculo da progressividade a cada nova doação. O mecanismo atua como cláusula antiabuso, desestimulando o fracionamento artificial de doações para escapar de alíquotas mais elevadas. 

O art. 156, por sua vez, tratando da alíquota do imposto, impõe sua progressividade obrigatória, com aplicação marginal por faixas e teto fixado pelo Senado Federal. Essa previsão reforça o princípio da capacidade contributiva e tende a aumentar a carga fiscal incidente sobre grandes transmissões patrimoniais. 

O texto ainda identifica claramente os contribuintes do ITCMD como sucessores e donatários, ao passo que atribui responsabilidade solidária a terceiros, como cartórios, instituições financeiras e seguradoras, o que pode ser alvo de intensa judicialização. 

Quanto à competência tributária, os arts. 158 e 159 definem critérios objetivos de sujeição ativa: o Estado de localização do imóvel, no caso de bens imóveis, ou o domicílio do doador ou herdeiro, no caso de bens móveis e direitos. Essa sistematização resolve impasses federativos e harmoniza a disciplina do imposto com a jurisprudência do STF.

O LIVRO III – DISPOSIÇÕES FINAIS E ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS

O terceiro livro do PLP 108/2024 reúne disposições finais e promove alterações pontuais em legislações correlatas, especialmente no Código Tributário Nacional e na Lei Complementar n.º 214/2025.  

Introduz no CTN a previsão expressa de que o ITBI incidirá apenas sobre transmissões onerosas, ao passo que o ITCMD ficará restrito às transmissões gratuitas. A medida elimina zonas de conflito entre os dois tributos e confere maior segurança jurídica às operações imobiliárias.

CONCLUSÃO E PRÓXIMOS PASSOS

O PLP n.º 108/2024 representa um marco na consolidação da reforma tributária do consumo e na regulamentação do ITCMD e confirma a necessidade de estratégias jurídicas sofisticadas, que deverão ser constantemente revistas ou implementadas. 

Ao disciplinar de forma inédita as normas gerais nacionais do imposto, o texto elimina lacunas históricas, harmoniza a jurisprudência do STF e cria um ambiente mais previsível para empresas, famílias e investidores. Ao mesmo tempo, impõe desafios práticos, como a convivência prolongada entre ICMS e IBS e a necessidade de adaptação a novas bases de cálculo e a alíquotas progressivas no ITCMD. 

Recomendamos que contribuintes e grupos econômicos revisem imediatamente seus planejamentos patrimoniais e societários, antecipando doações, saneando demonstrações contábeis e reforçando a governança documental em operações internacionais.

Ficou alguma dúvida? Conte com a equipe tributária da Andrade Silva Advogados.  

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