Bianca Dias de Andrade no Diário do Comércio: TRT-MG reconhece legalidade de escala e afasta condenação por domingos com pagamento em dobro
Por Bianca Dias de Andrade, coordenadora da área Relações de Trabalho e Consumo na Andrade Silva Advogados | Publicado no portal Diário do Comércio em 17/02/2023
A luta entre os empresários que necessitam de mulheres trabalhando aos domingos e os sindicatos dos trabalhadores do setor varejista que defendem o descanso quinzenal previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) teve um capítulo importante para o empresariado do setor do comércio. A recente decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-MG), que considerou o repouso quinzenal das mulheres aos domingos como quesito preferencial e não obrigatório, foi considerada uma vitória significativa para os empresários do setor.
A decisão, que ainda cabe recurso, pode ser considerada uma conquista por parte do empresariado, já que o processo abre um precedente importante para outros gestores do varejo, ao afastar a obrigatoriedade de pagamento em dobro às mulheres que trabalharem dois domingos seguidos.
De acordo com a coordenadora da área trabalhista do escritório Andrade Silva Advogados, Bianca Dias de Andrade, o posicionamento é inusitado frente às decisões que o Judiciário vinha adotando. “É uma decisão inovadora, o que estava se decidindo até então é que a CLT era aplicável, mesmo sendo mais antiga que a Constituição”, ressalta.
A decisão proferida pelo TRT-MG, nos autos do processo nº 0011219-56.2024.5.03.0132, reafirma a supremacia da norma específica estabelecida para o comércio contida na Lei nº 10.101/2000 sobre a regra do artigo 386 da CLT, que trata do repouso semanal das mulheres que trabalham aos domingos.
Conforme esclarece a advogada Bianca de Andrade, o artigo 386 da CLT prevê que as mulheres não podem trabalhar dois domingos seguidos como acontece na escala praticada chamada 2 x 1, ou seja, em que trabalham dois domingos e folgam um. A CLT estabelece que elas precisam trabalhar em escala quinzenal, ou seja, ao trabalhar num domingo precisam folgar no seguinte, independente se já tiverem tido folga durante a semana. Já a Lei 10.101, que trata a folga de forma específica para o setor, determinando folga dominical uma vez a cada três semanas.
O caso teve origem, conforme a advogada, na reclamação trabalhista ajuizada por um sindicato de empregados do setor varejista de São João del-Rei, no Campo das Vertentes, que buscava o pagamento em dobro dos domingos laborados por empregadas comerciárias, sob o fundamento de que a empresa não teria observado a escala quinzenal de revezamento prevista na CLT. “A sentença de primeira instância havia acolhido parcialmente a pretensão, determinando o pagamento dobrado e a obrigação de implementação da referida escala”, explica Bianca de Andrade.
Entretanto, o TRT-MG reformou a decisão afastando a obrigação de fazer o pagamento em dobro. Na ação, o desembargador relator Alexandre Wagner de Morais Albuquerque fundamentou em seu voto, que a previsão contida na CLT deve ser interpretada em harmonia com a Constituição Federal, que determina apenas a concessão de repouso semanal “preferencialmente aos domingos” e não obrigatoriamente; e também com a legislação posterior e específica (Lei 10.101/2000) que estabelece regra clara para o comércio: a folga aos domingos deve ocorrer ao menos uma vez a cada três semanas, sem distinção de gênero. “Dessa forma, entendeu-se que não há a obrigação de pagamento dobrado, se a empresa concedeu folga em outro dia da semana”, esclarece a advogada.
A Constituição Federal é de 1988, já a CLT, de 1943. A discussão gira em torno da real necessidade desse fundamento nos dias atuais. “Na minha visão, não faz mais sentido esse ponto, uma vez que as relações trabalhistas e familiares mudaram. Entretanto, a discussão é exatamente esta, mesmo a CLT tendo sido elaborada em outro momento e as relações tenham mudado, entende-se que a mulher ainda está numa situação de mais vulnerabilidade, além da questão do cuidado com os filhos. A defesa passa por essas previsões em relação à condição da mulher, de forma que ela deveria ter vantagens”, avalia Bianca de Andrade.
Porém, ao mesmo tempo, a coordenadora da área trabalhista do escritório Andrade Silva Advogados alerta que a lei prejudica o funcionamento do comércio e das empresas que “não conseguem se adequar a uma escala que parece irreal nos dias de hoje”.