Na Revista PEGN, David Andrade fala o que muda para as fintechs com norma que equipara obrigações a dos grandes bancos

Por David Andrade Silva, Tributarista e Sócio-fundador da Andrade Silva Advogados. Publicado na Revista PEGN em 29/08/2025

Empresas deverão enviar movimentações e saldos para a Receita Federal. Mudança foi feita após deflagração de esquemas criminosos que usaram fintechs para lavagem de dinheiro

A instrução normativa 2.278/2025, que sujeita as fintechs às mesmas obrigações dos grandes bancos, foi publicada nesta manhã (29/08) pela Receita Federal. A norma, que entra em vigor hoje, foi editada após a deflagração de três operações contra o crime organizado, que usavam os bancos digitais para lavagem de dinheiro e teriam movimentado valores que chegam a R$ 50 bilhões.

Em seu primeiro artigo, a norma “estabelece medidas para o combate aos crimes contra a ordem tributária, inclusive aqueles relacionados ao crime organizado, em especial a lavagem ou ocultação de dinheiro e fraudes.” Segundo a Receita Federal, as fintechs passam a obedecer às obrigações aplicáveis às instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Exigências que estão em vigor desde 2015 para bancos, pela instrução normativa 1.571.

A mudança foi antecipada ontem pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que acredita que a norma pode ampliar a cooperação com a Polícia Federal, acelerando a identificação de crimes financeiros com o apoio da inteligência artificial e dos sistemas digitais da Receita.

Na prática

No dia a dia das fintechs, isso significa que elas passarão a entregar dados detalhados sobre saldos e movimentações, por meio da e-Financeira, declaração digital que reúne e cruza dados de movimentações financeiras. Entre os dados incluídos estão, por exemplo, saques, depósitos, aplicações financeiras, transferências via Pix e compras no cartão de crédito.

As empresas deverão informar ao Fisco o volume transacionado por seus clientes quando superar R$ 2 mil por mês (para pessoa física) e R$ 6 mil por mês (para pessoa jurídica).

“As fintechs irão compartilhar todos os dados transacionais que acontecem. Elas vão repassar as informações brutas e a Receita Federal poderá fazer a análise de movimentações suspeitas”, diz Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs).

Para isso, as fintechs terão de adotar uma nova rotina, investindo em tarefas operacionais para organizar os dados e compartilhá-los com a Receita Federal. “Para startups enxutas, essas exigências podem pesar no orçamento e aumentar a burocracia do dia a dia, impactando sua agilidade”, comenta Lucas Karam, advogado e professor especialista em direito digital. “Em alguns casos, parte desse custo extra pode acabar repassado aos clientes ou usuários finais, por meio de tarifas ou limites operacionais, para manter a viabilidade do negócio”, complementa.

Karam acrescenta que, para novas fintechs que queiram entrar no mercado, a medida pode dificultar o atendimento inicial a todos os requisitos regulatórios.

A imediata vigência da norma também deve ser levada em consideração para evitar futuras penalidades. “Como a instrução normativa tem efeito imediato, as fintechs terão pouco tempo para se adaptar, gerando uma pressão de adequação. Até que todos se ajustem, é possível enfrentar atrasos ou dificuldades operacionais”, afirma o advogado especialista em direito digital.

Para médias e grandes fintechs, Perez acredita que já existem equipes preparadas para monitoramentos e levantamentos de dados, em alguns casos com procedimentos validados pelo Banco Central — o que reduz o impacto da adaptação.

Maior credibilidade das fintechs

A falta de normas impactavam na confiabilidade dessas empresas, porém, não era desejo delas não seguir com essas medidas. “Há uma percepção no mercado de que as fintechs não cumprem as normas, o que não é verdade. A instrução normativa de 2015 é anterior à existência e ao crescimento das fintechs, e a Receita Federal demorou muito tempo para atualizá-la”, opina Perez.

Agora, a tendência é que elas transmitam mais confiança ao mercado e aos consumidores. “Elas deixam de ser vistas como ‘atalho’ para movimentações suspeitas e passam a operar com o mesmo nível de transparência dos bancos. Isso aumenta a confiança de investidores, parceiros e clientes, fortalecendo o setor no médio prazo”, explica David Andrade Silva, advogado empresarial e tributarista, sócio da Andrade Silva Advogados.

Para Karam, fintechs alinhadas a boas práticas internacionais de compliance também terão mais facilidade para expandir serviços e parcerias globalmente. Os especialistas ainda acreditam que regulamentação cria um ambiente equilibrado entre bancos e fintechs, podendo favorecer o sistema financeiro como um todo.

Discussão não é recente

Uma atualização de regras já havia sido publicada pelo governo no ano passado e deveria entrar em vigor em janeiro deste ano. Porém, diante de campanhas de desinformação sobre a taxação do Pix, a medida foi revogada.

A mudança voltou à pauta e se concretizou com a deflagração das operações de lavagem de dinheiro. Agora, a expectativa é que organizações criminosas possam ser identificadas com mais facilidade, a partir do repasse dos dados das fintechs. “A Receita Federal passa a ter acesso a um ‘raio-x’ completo do sistema financeiro, facilitando o cruzamento de dados, a identificação de padrões suspeitos e a conexão de fluxos”, esclarece Silva.

Para a ABFintechs, a atualização já era necessária e sua concretização vem em um bom momento. “A atualização só se materializa agora, reforçando a importância de o regulador acompanhar a evolução do mercado de forma ágil”, diz em nota. “As fintechs apoiam integralmente essas medidas, reforçando seu compromisso com a transparência, a segurança e a conformidade regulatória”, complementa a associação.

Para o futuro, Perez destaca que é importante continuar igualando não só as obrigações, mas também as oportunidades entre bancos e fintechs. “A Receita Federal armazena dados sobre pessoas e clientes, que podem ser acessados pelos bancos para verificar se alguém está envolvido em crimes, como uma validação pública. As fintechs ainda não têm esse acesso”, exemplifica.


Anterior
Anterior

Belo Horizonte Desburocratiza Negócios: Nova Lei Facilita Abertura e Funcionamento de Empresas 

Próximo
Próximo

STF tem maioria para decidir sobre limitar a inclusão de empresas na execução trabalhista