Diário do Comércio ouve David Andrade Silva sobre Medidas fiscais do governo: poder de tributar ou poder de destruir?
Por David de Andrade Silva, tributarista e sócio-fundador da Andrade Silva Advogados | Publicado no portal Diário do Comércio em 09/05/2025
O Brasil figura entre os países que mais tributam no mundo — e, paradoxalmente, entre os que menos entregam em serviços públicos de qualidade. Essa equação distorcida tem se agravado com todas as medidas fiscais promovidas pelo atual governo, que miram o aumento da arrecadação a qualquer custo, sem qualquer esforço proporcional de contenção de gastos.
Desde 2023, diversas iniciativas do Executivo Federal apontam para uma clara tendência de aumento da carga tributária, valendo citar, dentre várias medidas no mesmo tom, o fim da desoneração da folha de pagamentos, a reoneração dos combustíveis; a proposta de tributação sobre fundos exclusivos e offshore; a quebra da cadeia de créditos de PIS e Cofins, a implementação do voto de qualidade no Carf, a limitação às compensações tributárias, a própria reforma tributária com potenciais aumentos de carga para setores como agro e serviços e, mais recentemente, as propostas de aumento da base de cálculo e alíquotas do ITCD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações e a tributação dos dividendos e lucros.
Essa ofensiva fiscal evidencia uma escolha política: em vez de enfrentar privilégios ou cortar desperdícios, o Estado opta por onerar ainda mais quem produz e quem empreende no País.
Nesse sentido, indaga-se, o que ocorre quando o próprio Estado se torna sócio majoritário do esforço produtivo nacional, abocanhando uma fatia desproporcional da riqueza gerada, com pouco ou nenhum retorno em serviços públicos de qualidade?
Essa escolha política colide ou não com o nosso sistema constitucional, que em tema tributário erige, dentre os limites ao poder de tributar do Estado, o princípio do não confisco (art. 150, IV da CF/88) e o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º da CF/88)?
Ambos, embora distintos, compartilham a mesma missão: impor limites materiais ao poder de tributar, escudos constitucionais indissociáveis da ordem democrática.
O princípio do não confisco, como o próprio nome revela, estabelece que nenhum tributo pode ter efeito confiscatório. Em termos práticos, trata-se de uma barreira superior, ou seja, um teto implícito à carga que pode ser exigida de um contribuinte.
Quando o tributo ultrapassa a linha do razoável, tornando inviável a manutenção da atividade econômica ou o patrimônio do indivíduo, a tributação perde sua legitimidade.
Já o princípio da capacidade contributiva opera como uma barreira inferior. Exige que a imposição tributária seja proporcional à riqueza ou à renda efetiva do contribuinte. Ou seja: tributar quem não tem capacidade de pagar — ou tributar igualmente os desiguais — é tão inconstitucional quanto confiscar.
Enquanto o princípio do não confisco protege o contribuinte contra o excesso, o da capacidade contributiva protege contra a injustiça. Juntos, eles compõem uma espécie de cláusula pétrea implícita de proteção econômica do cidadão, funcionando como antídoto ao ímpeto arrecadatório que frequentemente contamina a política fiscal.
Ambos têm raízes na própria ideia de Estado Democrático de Direito: o cidadão não é súdito do Estado, mas titular de direitos fundamentais inclusive na esfera tributária.
O problema é que, no Brasil, o poder de tributar não é apenas exercido. Ele é, desde sempre e agora com muito mais rigor, ostentado como instrumento de engenharia social, controle político e manutenção dos privilégios da máquina pública.
Quando o Estado tributa o consumo de forma regressiva, atinge quem tem menos — violando a capacidade contributiva. Quando sobrecarrega setores produtivos com alíquotas que inviabilizam o lucro — viola o não confisco.
Quando mantém um aparato estatal caro, inchado e ineficiente, sustentado por uma população que não vê retorno — viola ambos os princípios.
O que resta é um cenário de confisco e de uma injustiça tributária estrutural. E isso, num país que se diz fundado na liberdade, na justiça e na igualdade, não pode ser naturalizado.
Se o Judiciário não for chamado a agir, pontual ou de forma sistêmica e se o Parlamento continuar a ceder à tentação da arrecadação fácil, corremos o risco de transformar o direito tributário em um instrumento de aniquilação da liberdade econômica.
Ficou alguma dúvida? Conte com a equipe da Andrade Silva Advogados.