TST debaterá temas sobre atingimento de bens de sócios de empresas em recuperação judicial
Por Arthur Santos, advogado da área Relações de Trabalho e Consumo na Andrade Silva Advogados
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) debaterá, em audiência pública no dia 13/11/2025, temas relacionados a incidentes de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) de empresas em recuperação judicial. A definição que sairá desta discussão impactará diretamente a eficácia da Lei nº 11.101/2005 e a capacidade de empresas em crise se reerguerem.
A desconsideração da personalidade jurídica foi concebida como uma medida excepcional, destinada a coibir fraudes e o abuso de direito. No entanto, na prática, especialmente na Justiça do Trabalho, o instituto tem sido banalizado. A aplicação da "Teoria Menor", que permite o redirecionamento da execução contra os sócios pelo simples inadimplemento, transformou uma ferramenta de combate à fraude em uma regra quase automática de cobrança.
Logo, basta que a empresa em recuperação judicial tenha as execuções suspensas e não tenha condições de arcar com as dívidas trabalhistas, que a execução poderia ser direcionada aos sócios.
Essa prática distorce a finalidade do instituto e se torna especialmente perigosa no contexto da recuperação judicial. Uma empresa que recorre à recuperação está, por definição, em uma situação de insolvência momentânea. A aplicação da Teoria Menor nesse cenário torna a responsabilização dos sócios a regra, e não a exceção, punindo a própria tentativa de reestruturação.
A Lei de Recuperação Judicial estabelece o juízo universal como o centro de todas as decisões que afetam o patrimônio da recuperanda. O objetivo é garantir que o plano, aprovado pela maioria dos credores, seja cumprido de forma ordenada, tratando todos de forma isonômica.
Quando a Justiça do Trabalho, de forma paralela, promove um incidente de desconsideração da personalidade jurídica, ela cria um privilégio indevido para aquele credor. Na prática, essa ação burla o plano de recuperação aprovado, permitindo que um credor receba seu crédito de forma integral e imediata, ao atingir o patrimônio dos sócios, enquanto todos os outros (inclusive outros credores trabalhistas) estão sujeitos às condições de pagamento e aos deságios negociados. Essa pulverização de atos executórios gera insegurança e quebra a isonomia, princípio basilar da recuperação. Essa questão, inclusive, já foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em uma decisão paradigmática na Reclamação (Rcl) 83.535, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o STF suspendeu um ato da Justiça do Trabalho que havia desconsiderado a personalidade jurídica de uma empresa em recuperação. O fundamento foi contundente: ao ignorar a regra do art. 82-A da Lei nº 11.101/2005, o Tribunal Regional do Trabalho não apenas invadiu a competência do juízo universal, mas também violou a Súmula Vinculante 10. Ou seja, o STF elevou a discussão, tratando o tema não como uma simples disputa de competência, mas como uma afronta direta à Constituição.
A reforma da Lei nº 14.112/2020, ao criar o art. 82-A, sinalizou a intenção do legislador de unificar e racionalizar o procedimento de desconsideração. A decisão do STF na Rcl 83.535 reforça que essa norma deve ser respeitada.
Nesse contexto, a aplicação da "Teoria Maior" (art. 50 do Código Civil) é a única que se mostra coerente, pois exige a comprovação de abuso ou fraude, restaurando o caráter excepcional da medida. Nesse entendimento, não basta o inadimplemento, é necessário mostrar o desvirtuamento da finalidade da empresa e o abuso dos sócios.
A análise desses requisitos é complexa e demanda uma visão completa da empresa, prerrogativa que apenas o juízo da recuperação possui.
Para garantir a eficácia da recuperação judicial, é fundamental que o TST se alinhe ao entendimento do STF e estabeleça a competência exclusiva do juízo universal para processar o IDPJ contra empresas em recuperação. A decisão de atingir o patrimônio de um sócio deve ser uma medida excepcional, fundamentada na prova de fraude (Teoria Maior), e conduzida pelo único juízo capaz de avaliar o impacto de tal medida no delicado equilíbrio do plano.
Manter a competência pulverizada é permitir que o plano de recuperação seja burlado, criar um privilégio injusto minando a principal ferramenta legal para a preservação de empresas, empregos e da atividade econômica no país.
Na audiência serão exatamente discutidas a competência da Justiça do Trabalho, a aplicação da teoria menor e os efeitos decorrentes da reforma da lei de recuperação judicial.
Assim, resta aos empresários cujas empresas estão em recuperação judicial, aguardarem o pronunciamento do TST, que será algo decisivo na gestão de passivos e responsabilidade.
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